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PIERRE LÉVY: A INTELIGÊNCIA COLETIVA E OS ESPAÇOS DO SABER


Desde tempos imemoriais o homem tem buscado o conhecimento através de observações, de experimentações e de estudos. A procura por respostas para suas indagações mais incômodas propiciou o seu desenvolvimento ao longo dos tempos.

Com isso, percebeu que o caminho a trilhar seria longo e infinito, porque não é algo que se possa mensurar.

Mas, por meio do ato de compartilhar suas experiências acumuladas ao longo dessa trajetória, um fato se tornou claro: a melhor maneira de ampliar o conhecimento é fazendo interações, intercâmbios, permutas de ideias e aprendizados.

É com isso que se dá o crescimento e o desenvolvimento das sociedades empregando os meios comuns de transmissão de informações – papel e aparelhos tecnológicos (rádio, televisão) – e chegando aos meios virtuais – computadores, celulares.

E, com o advento dos diferentes meios de comunicação, especialmente da informática e suas novas formas de comunicação por meios virtuais, dois conceitos passam a fazer parte dessa nova cultura: a inteligência coletiva e o ciberespaço.

Embora tenham destaque hoje, foram conceitos criados por Pierre Lévy, mestre em História da Ciência (Universidade de Sorbonne, Paris). PIERRE LEVY: IDEIAS E PRODUÇÕES Em um breve contexto biográfico desse filósofo pode-se ressaltar que concentrou suas pesquisas especificamente na área da cibernética e da inteligência artificial.

Como professor da Universidade de Quebec, em Montreal, no Canadá (1980), buscou analisar qual era a função dos computadores no processo de comunicação. Sempre envolvido nesse campo do conhecimento foi nomeado gestor do departamento de comunicação desse campus.

Depois, na França, especializou-se em investigar as relações entre a Internet e a esfera social, onde foi professor de Ciências Educacionais na Universidade de Paris-Nanterre até 1992. Em seus estudos Lévy aborda especificamente o papel das tecnologias na esfera da comunicação e o modo como influem na evolução da cultura em geral. Com suas publicações A Máquina Universo – criação, cognição e cultura informática (1987), As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática (1990) e com a divulgação, em 1994, de um mecanismo criado junto com Michel Authier, intitulado ‘árvore de conhecimento’ – um sistema composto por um software de cartografia que, através da troca de informações entre comunidades, produz uma enciclopédia virtual em constante transformação – começa a divulgar suas ideias e a ser mais conhecido.

Atua em 1993 como professor no Departamento de Hipermídia da Universidade de Paris, em St-Denis e de 2002 em diante assume como titular da cadeira de pesquisa em inteligência coletiva, na Universidade de Ottawa, no Canadá.

O filósofo é também integrante da Sociedade Real do Canadá (Academia Canadense de Ciências e Humanidades). Seus textos abordam temas como a exclusão do universo digital, a Internet, as novas tecnologias da comunicação e o futuro da humanidade em meio a esse processo de contínua digitalização em que está imersa. A INTELIGÊNCIA COLETIVA: POR UMA ANTROPOLOGIA DO CIBERESPAÇO O presente artigo refere-se a sua obra A Inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço (1994), em que produz reflexões sobre o impacto das tecnologias sobre a sociedade, além de enfatizar a capacidade de os novos meios de comunicação permitirem aos grupos humanos compartilhar suas ideias. Lévy trabalha com dois conceitos importantes: inteligência coletiva e ciberespaço. No que tange à inteligência coletiva, defende que todos os indivíduos têm a sua própria inteligência acumulada em suas vivências pessoais e que deve ser respeitada por isso. Reitera que ela serve como um modo de interação social, por ser capaz de criar uma espécie de democracia em tempo real, dadas as suas constantes possibilidades de interação entre os pares. E com relação ao conceito de ciberespaço salienta que, muito mais que um meio de comunicação ou mídia, trata-se de um espaço de reunião de uma infinidade de mídias e interfaces, que podem ser encontradas tanto nas mídias como: jornal, revista, rádio, cinema, tv, bem como mais diferentes interfaces que permitem a interação ao mesmo tempo ou não, como os chats, os fóruns de discussão, os blogs, entre outros. A partir desses conceitos, o ciberespaço apresenta-se como o local onde a inteligência coletiva se forma por conta da interação entre as pessoas que, como sujeitos individuais que são, promovem o intercâmbio de ideias por meio de comunidades virtuais, cujo objetivo maior está em promover amplas conexões entre seus participantes. O que resulta disso é a transmissão e a construção de ideias que acaba por criar um outro conceito: o da cibercultura – um movimento social e cultural que estabelece uma relação nova com o conhecimento e o saber, ou seja, apresenta novas formas e possibilidades de se aprender e ensinar, retirando-as dos campos comuns da realidade.

E é esse espaço, onde a interação acontece, que acaba por promover implicações e mudanças nos conceitos de arte, na organização de espaços e de territórios, nos limites entre o individual e o coletivo, enfim.

Como resultado disso, temos questionamentos no mundo real no que tange à formação e à educação do indivíduo: Como dar-se-á a educação nesse espaço? O que se ensina? O que se aprende? Como se avalia? Quem orienta? Quem ensina e quem aprende? São questões a serem pensadas em relação a esse espaço virtual que não pode ser negado nem ignorado porque já faz parte da realidade. Lévy, entendendo o ciberespaço com um fato concreto na contemporaneidade, prova que é possível aprender e ensinar a partir dele, ou seja, a interação entre os usuários desse espaço é capaz de fazer com que eles não só adquiram conhecimentos, como também compartilhem-nos. Trata-se de uma ação recíproca. E essa ação faz repensar os moldes atuais de educação que precisa reestruturar-se para dar conta de inserir o aluno e os meios virtuais/tecnológicos em sala de aula como aliados ao aprendizado. O autor defende que a inteligência coletiva não se limita apenas à exposição do conteúdo e ao retorno disso, através de um forum ou chat, mas num sentido mais amplo ela se representa principalmente a capacidade de reconhecer o outro como um sujeito dotado de inteligência, como um ser que possui um conhecimento potencializado.

A partir disso, os mais diferentes saberes buscam-se em complementaridades, e cada indivíduo envolvido nesse processo, não deve discriminar alguém devido a sua condição social, civil, sexual, uma vez que admite seus conhecimentos e saberes individuais como resultado de sua formação.

Ao se reconhecerem dessa maneira, a prática da ideia de inteligência coletiva pode levar a uma melhor comunicação entre os indivíduos, bem como a uma maior compreensão do outro enquanto ser inteligente, porque cada um possui o que ele chama de savoir-faire (saber fazer): um conhecimento seu que, compartilhado, traria benefícios às diferentes áreas da vida humana.

É uma forma de valorizar o outro e valorizar-se para juntos promoverem o crescimento do todo. A princípio levantou-se um questionamneto a respeito do fato de existirem diferentes línguas e que isso poderia ser prejudicial a esse processo.

Felizmente, com os avanços tecnológicos, empregando ferramentas capazes de traduzir diferentes idiomas, os usuários do ciberespaço acabaram por romper com essa dificuldade, tendo cada vez mais acesso aos diferentes mundos dentro do espaço virtual.

Dessa forma, a aprendizagem não seria processada em um movimento uniforme e retilínio, mas acima de tudo num movimento espiral. OS QUATRO ESPAÇOS DO SABER ANTROPOLÓGICO No capítulo 7, Lévy analisa o conceito de inteligência coletiva a partir do que considera os quatro espaços antropológicos do saber, que são: a Terra, o Território, o Espaço das mercadorias e o Espaço do saber. Com relação à Terra, pontua que ela, sendo o primeiro espaço ocupado pela humanidade, é também um mundo de significados que começa no período do Paleolítico com a aquisição da linguagem, com o desenvolvimento dos processos técnicos e das instituições sociais. Ela é o espaço da existência humana, uma espécie de cosmos onde os seres humanos estão em permanente contato com os demais seres. É o lugar das metamorfoses. Já em relação ao Território, Lévy enfatiza como a dominação dos espaços pelo homem e sua fixação neles impulsiona o ato de domesticar e criar animais, a prática da agricultura, a constituição de cidades, tornando-o sedentário.

Embora tudo isso aconteça em momentos distintos na terra, quando os homens interagem entre si, adquirem uma força capaz de ampliar esses espaços, cada um contribuindo com seus conhecimentos. Se por um lado isso impulsiona a civilização, por outro faz surgir conflitos e guerras em função desses territórios disputados pelos seus bens e suas riquezas. O terceiro espaço antropológico é o das mercadorias, impulsionado pela invenção das moedas e do alfabeto. Em seguida, temos a produção de produtos manufaturados ao longo das invenções e das revoluções industriais, repleto do máquinas, de fumaças, de capitalismos e explorações do homem pelo próprio homem.

É o homem que se move rapidamente em direção ao progresso em suas redes de invenções e descobertas através de lutas intensas. Com isso, o espaço das mercadorias toma o espaço dos territórios e o capitalismo com todas as suas produções influencia o pensar e o agir do homem, levando-o à busca incessante de conhecimento e de realizações, cruzando fronteiras em busca de outros territórios e de outras vidas.

Esse espaço, segundo ele, sempre vai existir, assim como a Terra e os Territórios, e abre outro espaço capaz de dar conta de tudo isso: o espaço do saber. Enfim, o quarto espaço antropológico é o do conhecimento que se expande a cada dia. E o que é o conhecimento? Lévy ressalta que não é apenas o conhecimento científico recente, raro e limitado, mas todas as espécies de conhecimentos apreendidos pelo homo sapiens.

É aquele saber que o ser humano adquiriu em sua relação consigo mesmo, com o outro, com as coisas, com os sinais, com o cosmos, aquele comprometido com qualquer atividade que produza aprendizagem.

Trata-se de um espaço virtual, porque não existe enquanto espaço físico determinado: ele se torna real quando se dão as relações com o outros indivíduos, num movimento contínuo de compor e recompor ideias, num processo de assimilação e de interação do pensamento.

Para Lévy, esse espaço torna-se virtual por causa das mudanças que são feitas nos meios de difusão de ideias e pensamentos, no universos virtuais chamados ciberespaços. Enfim, esses quatro espaços do saber, vão se refinando com o tempo, e por isso atualizam-se constantemente. Considerando a Terra como a estrutura básica geral, o Território como a parte perceptível para o indivíduo, o Espaço das Mercadorias como o lugar das materalidades dos objetos, Lévy nos aponta o Espaço do Saber, como o lugar virtual do conhecimentos, que dar-se-ão a partir da interação entre os usuários desse espaço nesses tempos atuais em que vivemos. Vale ressaltar que esses espaços não se excluem, mas continuam coexistindo de forma intercalada sincronicamente. Além disso, cada um deles, apesar de não se misturarem em suas especificidades, são muito bem definidos quanto ao tratamento de tudo que se passam por eles. A partir dos conceitos de inteligência coletiva e de ciberespaço, Pierre Lévy antecipa em sua obra de 1994, muitas informações e ideias que se concretizaram com o tempo e com a evolução das ciências da computação e dos recursos tecnológicos através da informática.

Ele antecipou realidades – como a dos cursos a distância pelos meios virtuais, dos seminários via satélite, dos chats e das redes sociais – que buscam promover a cada dia mais a interação entre os homens, e consequentemente a troca de informações de de conhecimentos. A ideia de inteligência coletiva começa a ser difundida e está a cada dia mais ganhando raizes em nossa sociedade que se encontra totalmente interligada em redes. Todos querem navegar e viajar por “mares nunca de antes navegados”, como escreve Camões em Os Lusíadas. Agora, os limites estão sendo questionados e as distâncias encurtadas pela tecnologia.

O homem compartilha, socializa, expressa, grita, promove, questiona tudo em rede e embora esteja afastado geograficamente, suas palavras sempre encontram respaldos em outros olhos que lendo sua mensagem, comungam de tais ideias e as compartilham.

O homem não mais ficará só, ainda que longe dos seus, porque o ciberespaço é o seu lugar, a sua nova morada, a sua terra firme, ainda que virtual. Lévy mostrou-sem bem otimista em relação a isso. E ele estava certo: as sociedades compartilham seus conhecimentos, o homem interage com o outro ampliando ainda mais o conceito de inteligência coletiva, principalmente, através da interação com o outro seja olho no olho ou pelos meios digitais. BIBLIOGRAFIA LÉVY, P. Inteligencia Colectiva: por uma antroplogia del ciberespacio. Bibioteca Virtual em Salud, BIREME – OPS – OMS. Washington, 2004. CAMÕES, Luis Vaz de. Os Lusíadas. Disponível em bibvirt@futuro.usp.br. *Mestrando em Ciências da Educação, na UNINORTE, Paraguai.

Esta apresentação reflete a opinião pessoal do autor sobre o tema, podendo não refletir a posição oficial do Portal Educação.

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